Posicionar-se
é viver
Estávamos em casa, fazendo uma limpeza de armários e
nos deparamos com algumas redações escolares de nossas filhas, Cláudia sempre
teve um carinho especial por estas recordações de um tempo onde elas viviam ao
nosso redor. A Linha da vida é esta mesmo e os filhos saem para trabalhar.
Voltando às redações, uma nos chamou mais a atenção, talvez
pelo momento em que vivemos, foi escrita pela Bruna, nossa filha mais velha em
2005 e tinha o título “Posicionar-se é viver” uma redação de cursinho
pre-vestibular, corrigida pela professora, identificada como Lígia.
Transcrevo aqui algumas partes, pois nos permite
mergulhar no tempo e na mente adolescente, mas já rica em observações do mundo
ao seu redor.
“ O mundo é muito dinâmico. Tantas coisas se passam ao
mesmo tempo, de forma tão diferente, e as pessoas são bombardeadas com
informações a cada minuto. Dentre os milhares de acontecimentos que se tem
conhecimento durante a vida, há sempre aqueles mais marcantes...
Cada pessoa tem um jeito único de encará-la, pois cada
uma delas possui um histórico diferente de criação, educação e estrutura moral,
e é isso que as torna tão singulares entre si. Embora as características
pessoais existentes no homem sejam bastante diversas, existem certas posturas
que são muito comuns numa sociedade. Uma delas é a acomodação, acomodação
política, afetiva,
profissional ou de qualquer outro setor que exija a reflexão
e consequentemente a emissão de opinião.
Isso ocorre frequentemente pois não se posicionar é
muito mais fácil, ser espectador da vida é tão mais simples do que atuar nela,
afinal não exige esforço, não é preciso se arriscar, desistir,
transformar e
tentar de novo. É necessário apenas ser indiferente e não se importar com o que
acontece ao redor, ignorando qualquer sinal de movimentação interna”.
Sabemos que não são todas as pessoas que se preocupam
com o de onde venho? O que sou? Ou para onde vou? Perguntas básicas da
filosofia tradicional. Nossa sociedade atual vive entre o imediato e não é
comigo. Posicionar-se, requer um abrir-se ao mundo – olhar para frente,
analisar, planejar e pela ação tentar mudar a realidade ao nosso redor.
Uma hipótese para a pequena ação política ou social,
alguns podem pensar, seria porque as pessoas atualmente parecem não ter
religião ou partido político. Mas pesquisando o número de Brasileiros que se
auto denominaram ateus ou sem religião, não chegou nem a 2% no Censo de 2010.
Portanto esta não é uma das causas. Ligação a partidos políticos, talvez o
excesso deles, 36 seja uma das razões que não nos faça adotar um. O alto índice
de abstenção nas últimas eleições assim o demonstra.
Mas de 2005 para cá, certamente que o interesse por
política aumentou bastante, tomou conta dos noticiários e tivemos diversas
manifestações populares, pessoas de todas as idades foram para as ruas,
posicionaram-se, algo quem sabe impensável há meros 11 anos atrás, ainda que os
manifestantes não tenham demonstrado associação clara e nenhuma organização
política, foi muito mais um grito de basta.
Bruna discorre naquilo que entende sejam os
componentes da falta de ação e investe na análise do que seria pior em termos
de responsabilidades não compartilhada, enquanto seres socias que somos.
“ O acomodado tem uma postura pior do que a do
alienado, porque o primeiro tem conhecimento do que se passa, mas se esconde
atrás da falta de preocupação, já o segundo não quer saber o que acontece para
não se ocupar. Aquele que não se manifesta não o faz não porque não o consegue,
e sim porque não o quer, ele não possui ânsia de conhecimento e de discussão,
já que se conforma com as coisas do jeito que elas estão. Acredita que não pode
fazer nada para modificar a sua, ou a situação de outros, é como se vivesse em
uma caixa de vidro, observando a vida correndo a sua volta”.
Ao que tudo indica, os acontecimentos recentes no
Brasil, forçaram que até mesmo alienados e acomodados saíssem do armário e
expressassem o seu pensamento. Na mais diversas formas de manifestações de
pensamento, em todos os tons que vivemos nos dias de hoje, quer fisicamente, quer
no mundo virtual da internet e redes sociais.
Bruna meio que detectou o mecanismo de resposta dos
mansos, “ Entretanto, o posicionamento conformado é fácil, porém não leva a
lugar algum. E, talvez, seja este o seu
objetivo, manter-se estagnado mas, esta realidade é finita. Em algum momento da
vida, percebe-se que nada foi construído e que pode ser muito tarde para
mudanças, porque, às vezes, quando a mente começa a funcionar, o corpo já não
tem mais condições de acompanhá-la. Porém, quando se nota que a vida pode ter
um sentido maior, mesmo sem a possiblidade de transformação, a consciência da
acomodação é, por si só, uma forma de evolução e progresso humano”.
Este texto em sua ambientação original, não traz uma
abordagem espírita. Pois trata-se de um exercíco visando uma redação para
vestibular; mas o último mostra uma visão transformadora, que é a mola do
Espiritismo, a possibilidade de não ficarmos parados, pois a cada dia que
vivemos aprendemos algo que pode ser usado no futuro, nesta ou em outra vida.
Kardec nos ensina que devemos ser moderados, calmos,
agir com sabedoria, mas jamais nos acomodarmos, pois somos seres que
transitamos pela Terra e devemos deixar a nossa marca.
NR: Este artigo foi originalmente publicado no Jornal ABERTURA de novembro de 2016
Posteriormente foi publicado em espanhol no jornal Flama Espírita.
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